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segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Documentário retrata cotidiano de beneficiários do Bolsa Família

Documentário retrata cotidiano de beneficiários do Bolsa Família
Aqui Deste Lugar é o título do mais recente trabalho dos diretores Sérgio Machado e Fernando Coimbra. O documentário, com estreia prevista para março de 2014, retrata a realidade de cinco famílias nos estados de Piauí, Ceará, São Paulo, Rio Grande do Sul e Amazonas, todas beneficiárias do Bolsa Família, maior programa de transferência de renda do mundo.  Em 2013, ele e sua equipe percorreram regiões longínquas do Brasil para documentar como vivem, o que fazem e com que sonham essas famílias. “É um trabalho de observação da realidade como ela é”, explica Sérgio Machado.  
Nesta entrevista exclusiva, o cineasta conta como surgiu a ideia de produzir o filme, diz que o Brasil viveu mudanças importantes nos últimos 10 anos e garante que não encontrou nem fome, nem pobreza extrema nos lugares por onde andou. “Apesar dos problemas que o Brasil ainda enfrenta, não vimos fome, nem miséria. Esse Brasil a gente não encontrou”.
Foto: Divulgação
Foto: Divulgação
MDS - O artista costuma ter um olhar diferenciado, talvez mais aprofundado, da realidade que o cerca. No seu caso, o que mais o motiva a realizar um projeto?Sérgio Machado – Sou motivado pelo desejo de entender o outro, entender as pessoas à minha volta, viver vidas diferentes da minha. Desde criança, eu costumava observar as pessoas de longe e passava pela minha cabeça a ideia de quanto elas eram diferentes de mim. Mas quando a gente se aproxima, vê a pessoa de perto, percebe que ela tem os mesmos medos, o medo de morrer, o medo de ficar sozinha. Faço cinema para entender as pessoas.
MDS – Como surgiu a ideia de realizar um filme acompanhando histórias de vida de beneficiários do Bolsa Família pelo Brasil afora?  SM – A ideia surgiu há dois anos, a partir de três viagens que fiz entre 1996 e 2011, quando percorri regiões recônditas do Brasil e pude ver as transformações realizadas nas vidas das pessoas durante esse período. A primeira viagem foi em 1996, quando fui assistente de direção do filme Central do Brasil, de Walter Salles, com quem trabalho até hoje. Fiquei chocado com as condições de vida das pessoas. Cinco anos depois, voltei aos mesmos lugares e tive a sensação de voltar ao passado. A situação era mais ou menos parecida com relação à primeira viagem. Em muitos lugares não havia luz, não havia televisão, era tudo muito difícil.
MDS – Sua percepção mudou na terceira viagem? SM - A terceira viagem foi feita em 2011, quando fui convidado para dirigir um filme sobre o padre Cícero [líder católico que exerceu grande influência na vida política e religiosa dos nordestinos]. Percebi uma grande mudança na vida das pessoas. Os lares desta vez tinham internet, eletrodomésticos, antena parabólica... Achei curioso. Foi aí que tive a ideia de fazer um filme mostrando o que tinha mudado na vida daqueles brasileiros, quais as expectativas deles e o que ainda faltava melhorar.
MDS – Foi um insight espontâneo...
SM – Sim. O filme é fruto desta minha observação. Tanto é que a gente não faz perguntas aos personagens, que são reais. Apenas retrata a realidade dessas pessoas. É uma visão isenta. O objetivo é mostrar o que mudou, o que não mudou, o que precisa mudar.
MDS – Houve algum depoimento que o marcou?SM – Nessas viagens, costumo dar carona para as pessoas, pois é uma oportunidade que tenho para conhecer mais a cultura do local, como as pessoas pensam etc. Nessa última viagem, dei carona para seu Chico Honorato, um agricultor que vive na fronteira entre o Piauí e o Ceará. Ele estava eufórico e me falou “você não pode imaginar o que é apertar o dedo no interruptor e acender a luz”. Achei curioso e fiquei pensando naquilo. Depois disso, procurei os produtores dispostos a fazer o filme. Também procurei o MDS e o Ipea [Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada] para buscar informações sobre o programa.
MDS – Você pesquisou muito sobre o Bolsa Família para fazer o documentário?  SM – Entrevistei cerca de duas mil pessoas, convivi com as famílias retratadas e pude conhecer o que pensam, o que fazem e como vivem. Conversei com a ministra Tereza Campello [do MDS] e li dois livros que foram fundamentais para o meu trabalho: os das sociólogas Walquíria Leão [Vozes do Bolsa Família] e Amélia Cohn [Cartas ao presidente Lula: Bolsa Família e Direitos Sociais]. Foi um trabalho de pesquisa que consumiu muito tempo.
MDS – O documentário é muito diferente da ficção. Você fez uso de alguma técnica especial nesse seu trabalho?  SM – Sim, a do cinema direto. Nessa técnica, a gente não interfere em nada. É a câmera que registra tudo. A gente observa e de algum modo processa os acontecimentos que se desenrolam diante da gente.
MDS – Como você escolheu os personagens do documentário?
SM – Acompanhamos cinco famílias que representassem a média dos beneficiários do programa. No Ceará, retratamos o cotidiano de uma família meio disfuncional, pois o pai está preso. Aí, para equilibrar, no Piauí acompanhamos outra família, bastante organizada e que faz um esforço impressionante para os filhos estudarem. Os pais compraram um computadorzinho em várias prestações para os filhos terem acesso à internet e montaram uma biblioteca na casa de taipa onde moram. Percebemos que essa família tem organização e método, apesar das limitações econômicas.
MDS – O que mais lhe tocou no contato com essas famílias? SM – Percebi que, para além das dificuldades econômicas, os desejos do ser humano acabam sendo os mesmos. As pessoas querem ter alimentação, educação, saúde, acesso aos bens de consumo, querem poder sonhar. Apesar dos problemas que o Brasil ainda enfrenta nessas áreas, confesso que não vimos ninguém com fome, não vimos miséria. Esse Brasil a gente não encontrou.
MDS – Quais são os desejos mais comuns?
SM – Entrevistamos várias famílias e mais de dois mil jovens. Uma das perguntas era sobre o sonho de cada um. Quase a totalidade dos jovens respondeu que queria fazer uma faculdade de Direito, de Medicina, Veterinária. Até Cinema apareceu nas respostas. Isso é curioso. Vimos que o sonho dos pais desses jovens era o mesmo, de norte a sul. Faz parte do inconsciente coletivo das pessoas. Elas projetam um futuro melhor a partir da educação. Todo mundo tá sonhando a mesma coisa.
MDS – Isso é uma prova das mudanças pelas quais o Brasil vem passando nos últimos 10 anos? SM – Muita coisa mudou, mas esse é apenas o começo. Muita coisa ainda precisa ser feita. Afinal, são mais de 500 anos de desigualdade social, que é o câncer mais terrível do país. Historicamente, o estado empreendeu pouco esforço para reduzir essas desigualdades. Agora, a gente está caminhando. O Brasil avançou e agora começa um novo rumo. Acho que o país está se preparando para uma real transformação.
MDS – Mas tem muita gente que alimenta preconceito contra o Bolsa Família...SM – É impossível uma pessoa de boa vontade ser contra um programa de transferir renda para quem precisa em um país tão desigual como o nosso.  Se não houver programas como esse, a tendência é aumentar o abismo entre os ricos e os pobres.
MDS – Como você escolheu o nome do filme, “Aqui Deste Lugar”?  SM - A ideia veio do livro da pesquisadora Amélia Cohn, a partir de uma das cartas enviadas ao ex-presidente Lula por um beneficiário do Bolsa Família. A carta começava assim: “Senhor presidente, aqui deste lugar...”.
MDS – Quando começaram as filmagens e onde moram essasfamílias?SM – As filmagens começaram em agosto e foram feitas nos municípios de Valença, no Piauí; Tauá, no Ceará; São Paulo; Rio Grande, no Rio Grande do Sul e Manacapuru, no Amazonas.
MDS – Tem alguma história interessante para nos adiantar?SM – Aconteceram coisas muito bacanas durante as filmagens. Uma delas é a história de uma menina beneficiária do Bolsa Família, no Ceará, que sonhava em ser cantora. Ela batalhou para fazer o show e conseguiu. Foi exatamente no último dia das filmagens. Isso está no documentário. Foi muito emocionante a reação da mãe vendo a filha se reinventar. O Brasil tem que dar espaço para as pessoas sonharem. Isso está condensado nos versos de uma música de Caetano Veloso, que diz “gente é pra brilhar, não pra morrer de fome.”
Arlinda Carvalho – Ascom/MDS

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